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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Revisão da progressão continuada não significa avanço

Por Bruno de Pierro

Tema explorado durante as últimas campanhas eleitorais para o governo de São Paulo, a progressão continuada foi retomada tão logo a gestão de Geraldo Alckmin deu início. Na primeira declaração como secretário da Educação, Herman Voorwald avisou que o modelo de educação sofrerá revisão. De dois ciclos, a medida elevará para três o número de momentos que poderão reter alunos do ensino fundamental e médio das escolas públicas do Estado. Com isso, as repetências poderão acontecer a cada três anos, já considerando o nono ano.

Introduzido na rede estadual em 1998, na gestão Mario Covas, o modelo foi um dos elementos responsáveis pelo aumento das taxas de aprovação no ensino fundamental, que passaram de 83,8% em 1996, para 92% em 2002, segundo informações da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Só nas séries iniciais (1ª a 4ª série), onde se dá a alfabetização, o desempenho escolar mostra que a taxa de aprovação subiu de 95,7% em 2007 para 97,17% em 2009, paralela à queda na taxa de reprovação, que passou de 3,7% (2007) para 2,5% (2009).

A progressão continuada consiste num modelo que visa a assegurar a permanência do aluno na escola, sendo que, para isso, haja um sistema qualificado de avaliação contínua, capaz de identificar os problemas específicos e resolvê-los durante o processo de aprendizagem em ciclos. Porém, de acordo com especialistas ouvidos pelo Brasilianas.org, o modelo ainda não conseguiu ser plenamente instalado no Brasil.

Mesmo que os índices demonstrem avanços significativos na permanência de alunos na escola, questiona-se se as novas medidas trarão benefícios efetivos ao modelo, que ainda carece de métodos de avaliação continuada mais eficazes e de organização do trabalho escolar.

A pesquisadora Isabel Sach, do Instituto Paulo Freire, acredita que a introdução de mais uma série ao ciclo deve vir acompanhada de uma reformulação curricular e de uma reestruturação do modelo baseado em séries. “A mudança não vai trazer nenhum outro benefício ou impacto na construção de conhecimento”, avalia.

A necessidade de transformação mais profunda é defendida também pela professora do departamento de Educação da USP, Sandra Zakia. “Em São Paulo, a idéia de organização do ensino trazia implícita a noção de ruptura com a idéia de seriação. Mas em realidade, isso não ocorreu”.

De acordo com Zakia, a tendência é não se alterar a organização do trabalho da escola, mantendo-se o ano letivo e a organização de classes de uma forma de turmas rígidas, além de não se programar atividades diversificadas, de acordo com perfis diferentes de alunos. Neste aspecto, a progressão continuada tal como foi instaurada no Estado de São Paulo, e em outros estados, como Minas Gerais, não leva em consideração diversos elementos necessários para que o sistema funcione conforme foi colocado em proposta no final da gestão de Paulo Freire, na secretaria de Educação do município de São Paulo, durante o governo de Luiza Erundina (1989-1993).

“A proposta veio considerar fundamentos teóricos da psicologia e da epistemologia, quer dizer, a partir da contribuição de grandes psicólogos, que começaram a explicar como é que a criança aprende. Pensou-se, então, numa outra forma de organização, que é essa da proposta de três ciclos, que é a que mais se aproxima de uma organização que visa o desenvolvimento humano”, explica Sach.

Hoje, apesar das deficiências, a progressão está indiretamente presente no Plano Nacional de Educação, sendo recomendada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Segundo o ex-secretário de Educação de Pernambuco e atual presidente-executivo do Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos, os ciclos de alfabetização são fundamentais, mas ainda é necessário aprimorar o monitoramento contínuo de cada aluno.

Membro do CNE, Ramos acredita que, após a homologação do Plano, feita pelo Ministério da Educação, a tendência seja de que todas as redes municipais passem a adotar os ciclos, mas ressalta que caberá ao MEC promover o monitoramento e a implementação da política macro.

Comprometimento com a aprendizagem

Observa-se, portanto, que para o campo teórico da pedagogia a progressão continuada é uma via que se sustenta, mas ao ser encarada como política pública, ainda há muito o que se concertar. Sach considera que a formação dos professores está proporcionalmente relacionada ao sucesso do modelo de ciclos. Segundo a pesquisadora, o professor deve estar comprometido com a aprendizagem, e não com a “ensinagem”.

“Se o aluno não aprendeu de um jeito, deve-se questionar o que se pode fazer para que ele aprenda de outra maneira”, afirma Sach. Nessa perspectiva, o compromisso político faz acreditar que o aluno é capaz de aprender, afinal “trata-se da nossa condição de inacabados, porque a todo o momento estamos aprendendo”, completa.

Paralelo à atuação dos professores, os métodos de avaliação também são fatores vitais para a condução da progressão continuada. Nesse sistema, mais do que as avaliações externas – tais como o Ideb, a Prova Brasil, ou as estaduais, como o Saresp -, são os diagnósticos feitos em sala de aula que exercem maior influência no êxito.

Para Zakia, da USP, as provas externas, que deveriam servir mais como termômetro para gerenciar políticas públicas, acabam pautando o trabalho escolar. “Consolida-se a noção de que depois de determinado período, os alunos devem dominar certos conteúdos e desenvolvido determinadas competências”, aponta a professora.

Ramos alerta que, ao menos durante a fase de alfabetização (os três primeiros anos do ensino fundamental), cada criança deve ser acompanhada individualmente. Enquanto esteve à frente da educação em Pernambuco, de 2003 a 2006, Ramos priorizou a supervisão escolar, responsável por identificar a dificuldade de um aluno em se desenvolver. “A coordenação pedagógica tem como função exatamente acompanhar o processo de ensino-aprendizagem dentro do ciclo escolar”, explica.

Conforme contextualiza Sach, durante anos a avaliação foi a arma que o professor tinha para conter a indisciplina e controlar o aluno, ameaçando-o tirar-lhe pontos da média. E, quando os resultados mostravam deficiências, a solução era a repetência.

Para exemplificar, a pesquisadora do Instituto Paulo Freire compara o diagnóstico escolar com o hospitalar. “No caso de um médico, ele irá dizer qual é o problema e receitar um remédio. Se não melhorar, o médico entrará com outro medicamento. Na escola, não. Você reprova o aluno, e, no ano seguinte, ele terá novamente a mesma matéria, o mesmo livro e, se tiver muito azar, o mesmo professor. É literalmente repetir algo que não deu certo antes”, explica.

Contudo, o processo continuado, se não reprova, deve saber como levar ao aluno o conhecimento novo e quais as possibilidades de recursos para fazê-lo ser adquirido. “Se um aluno não conseguiu aprender a área de um quadrado desenhando, pode-se tentar fazer, com ele, uma pipa; e, se isso também não funcionar, tenta-se um recurso tecnológico, tridimensional”, sugere Sach.

A determinação de que a progressão continuada seja revisada, no Estado de São Paulo, não garante, ainda, que o modelo alterado desencadeará significativos avanços do ponto de vista estrutural no campo pedagógico. Mas também não trará desvantagens. Para a professora Zakia, é necessário se pensar menos a partir de padrões tão homogêneos e mais a partir de padrões de diversificação do trabalho.

Isto é, repensar não só a aprovação em si, mas também tudo o que completa esse sistema: o ambiente escolar, o espaço físico das salas de aula, o acompanhamento de cada aluno e até o modelo baseado em anos letivos. “A dificuldade consiste na tarefa de reinventar a escola, o espaço e o tempo escolar”, conclui Zakia.

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